quinta-feira, 11 de março de 2010

O mercado como ferramenta para salvar espécies (?)

Esquemas de compensações ambientais para a preservação da biodiversidade estão se expandindo pelo mundo, porém ainda falta transparência e confiabilidade à maioria deles para que assumam um maior papel na defesa do meio ambiente

Fabiano Ávila

A idéia é simples: se um empreendimento destrói determinada área ambiental, um mangue, por exemplo, ele deve compensar essa devastação financiando a recuperação de algum outro habitat. Esse tipo de iniciativa está se tornando comum em diversas partes do mundo, mas 80% delas ainda não consegue calcular de maneira exata o custo que deveria ser pago pelas empresas.

Essa é uma das conclusões do State of Biodiversity Markets: Offset and Compensation Programs Worldwide, compilado pela Ecosystem Marketplace e publicado na última sexta-feira (5). Durante um ano a equipe por trás do relatório pesquisou esquemas para a preservação da biodiversidade que tornam possível que empreendedores promovam contrapartidas para quaisquer danos que causem ao meio ambiente.

Foram documentados 39 programas governamentais já em funcionamento com iniciativas de “mitigações compulsórias” e outros 25 em formação. Esses esquemas demandam que os empreendedores evitem os danos ambientais sempre que possível e que restaurem outros habitats caso prejudiquem a natureza. O relatório revelou que quando bem estruturados, essas iniciativas criam uma rede de benefícios ambientais que geralmente são maiores que o dano inicialmente provocado.

Mais de 600 “bancos ambientais” funcionam sob esses esquemas. Eles buscam conseguir recursos ao restaurar áreas degradadas que depois são vendidas para empresas que precisem compensar seus danos ambientais. Desses "bancos", 70% são operações privadas que visam lucro, enquanto o restante são ações governamentais ou de ONGs.

“Nosso pensamento original foi apenas verificar o que estava sendo feito nesse setor ao redor do mundo. Mas assim que começamos a levantar os dados foi como abrir a caixa de Pandora. Nós não imaginávamos que esse setor já fosse tão grande. É como se existisse todo um novo mundo que eu desconhecia”, afirmou Becca Madsen, administradora do programa de biodiversidade do Ecosystem Marketplace e uma das autoras do relatório.

Apenas 20% dos projetos documentados apresentam dados de preços, mas mesmo assim esse mercado já atinge um valor anual de US$ 1,8 bilhões a US$ 2,9 bilhões. Além disso, cerca de 86 mil hectares estariam sendo protegidos a cada ano, o equivalente ao tamanho da ilha de Manhattan.

O State of Biodiversity Markets: Offset and Compensation Programs Worldwide analisou somente programas cujas estruturas funcionam ao redor da “hierarquia de mitigação” (evitar, minimizar e mitigar impactos à biodiversidade). Mas reconhece que existe uma grande gama de instrumentos econômicos para a proteção da biodiversidade.

Foram analisados projetos de todas as regiões, divididos em América do Norte, América Latina, Europa, África e Austrália-Nova Zelândia. O documento também explicou as leis vigentes em cada esquema e os modelos de incentivo para a iniciativa privada.

Brasil

O relatório dedica algumas páginas ao Brasil, que se destaca mundialmente por já ter leis estabelecidas sobre compensações ambientais. A base da proteção ambiental brasileira é a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (LPNMA) e a Política Nacional de Biodiversidade, essa última se aplica especificamente para a compensação ambiental. Em alguns casos existem legislações próprias para determinados ecossistemas, como a Lei da Mata Atlântica.

Outro item importante da política ambiental é o Código Florestal, em vigor desde 1965. Ele determina, entre outras coisas, que proprietários de terras mantenham intactas porcentagens de vegetação nativa. No caso de não conseguirem cumprir esta cota, eles podem compensar financiando a conservação de outra área de floresta nativa, preferencialmente dentro da mesma bacia hidrográfica. O Código está em intensa discussão e pode sofrer grandes alterações ainda este ano, a contragosto de muitos ambientalistas.

Existe ainda a compensação de impacto industrial, que é obrigatória de acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei N° 9.985, de 18 de julho de 2000) que exige que um máximo de 0,5% do custo total dos empreendimentos seja direcionado para as Unidades de Conservação através do Fundo de Compensação Ambiental.

Esse fundo está sendo revisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que declarou ilegal a cobrança desses 0,5% por acreditar que muitas obras têm baixos custos e grandes impactos, o que tornaria esta porcentagem uma quantia muito pequena.

Segundo o Instituto Chico Mendes, entre 2000 e 2008 o fundo arrecadou quase R$ 500 milhões em 300 compensações. Entretanto, desses R$ 500 milhões, cerca de R$ 209 milhões estão retidos, esperando a decisão final do STF. Apenas R$ 143 milhões estão disponíveis para o uso em áreas protegidas e R$ 49,5 milhões das compensações foram realmente já executadas.

Tentativa e Erro

O relatório afirma que esses esquemas de compensação tendem a evoluir em saltos, muitas vezes testando fórmulas que não funcionam e voltando para a estaca zero e recomeçando.

“Muitos desses programas atravessam longas fases como piloto, nas quais vão testando os melhores métodos antes de virarem estruturas definitivas e nacionais. Tanto na Austrália quanto na África os esquemas tendem a se manter em escala estadual, mas aos poucos os governos federais estão tomando parte”, explicou Madsen.

Diferentes partes do mundo possuem diferentes tipos de investidores em compensações ambientais. Nos Estados Unidos, por exemplo, o setor de transportes é o que mais busca essas iniciativas, enquanto na Austrália são as companhias de água e na África as indústrias de mineração e metais.

Muito ainda tem que ser feito para a consolidação desses esquemas, mas o crescimento desse tipo de iniciativa pode representar uma nova fronteira na preservação ambiental. Porém, isso nunca deverá servir de desculpa para que os governos e a própria sociedade diminuam sua responsabilidade com o meio ambiente.

Fonte: Carbono Brasil.

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