sexta-feira, 12 de março de 2010

Dormindo ministro e... acordando ministro


Use o ex-amigo de seu adversário contra ele. Uma receita muito usada pelo stalinismo. Racionalizações pseudo-ideológicas mascara simples jogo de poder na saída --atirando-- de Juca Ferreira.

Alfredo Sirkis

“Não posso dormir ministro e acordar na oposição”, essas aspas de Juca Ferreira contêm a quase honesta justificativa da sua posição de apoiar a candidatura de Dilma e passar a bater em Marina. Quase, porque a totalmente honesta seria: “Não posso dormir ministro e acordar não-ministro. Quero poder dormir ministro e poder sonhar que vou acordar ministro, até final de 2014, pelo menos”.

Fica mal travestir essa realpolitik, esse pragmatismo egocêntrico, tão enraizado na política brasileira com sentenciosas racionalizações. A língua inglesa tem uma boa expressão: self fulfilling prophecy, uma profecia de natureza a engendrar sua própria realização. É o que praticam os dilmistas --agora, Juca é um deles-- quando tentam nos empurrar para cima dos tucanos.

Esperamos estar no segundo turno. A campanha de Marina está crescendo e costumo dizer --acreditando-- que irá muito mais longe do que eles pensam e muito mais longe que nós mesmos imaginamos. Se, ao fim, ao cabo, não estivermos no segundo turno vamos discutir o que fazer, em Outubro. Seria inteligente da parte deles --é o que o Serra faz-- evitar um tratamento hostil e arrogante. Mas, iria contra uma cultura de esquerda autoritária e beligerante.

Dilma está possuída de soberba e arrogância quando aceita o histórico escorregão de Lula, comparando os presos políticos cubanos com bandidos e, quando recusa-se a defender seus mais elementares direitos humanos, evitando discordar do chefe “nem que a vaca tussa”, para se solidarizar minimamente com o sofrimento desses presos políticos, igual ao dela, no passado.

No mais, é uma velha tática stalinista, escalar alguém próximo para atacar, acusar. Há dezenas de casos assim nos anais da velha esquerda. Detalhe: em geral, esses personagens são utilizados e depois descartados.

Hipocrisia

O PV defende e continuará defendendo --muito mais que o PT-- a discriminalização do aborto e os direitos dos homossexuais. Temos companheiros que, por motivos de consciência religiosa, discordam dessas posições e lhes é assegurada essa clásula de consciência. Marina aceita a união civil de pessoas do mesmo sexo e considera que são temas afeitos ao Legislativo, e que podem eventualmente ser dirimidos por referendo popular.

Exatamente, o mesmo tipo de posicionamento pode ser encontrado no PT. Dentre os aliados de direita e extrema-direita do governo (no PP, PMDB, etc...), há muitos militantemente contrários à discriminalização do aborto e francamente homófobos, coisa que no PV não existe e seria (a homofobia militante) motivo de expulsão.

Juca disse ser o suposto recuo em relação a esses temas a razão de sua dissidência mas, no seu novo lado está cercado por pessoas que também têm posiçõe,s francamente e militantemente, reacionárias a respeito.

É curioso nos acusar, o PV e Marina, de “direita”, por causa da suposição que fazem (a tal self fulfilling prophecy) sobre segundo turno enquanto, eles, já no primeiro, estão na cama com Jader Barbalho, Renan Calheiros, e outros expoentes das oligarquias coronelistas mais tradicionais, que certamente agora merecerão aquele diploma “de esquerda”, que só o PT pode conferir.

Ah, meus amigos...

A pior coisa a respeito de fazer política é vê-la solapar amizades de décadas que a gente julgava definitivas. Sinto que praticamente perdi meus três melhores e mais históricos amigos, de 30, 40 anos e isso, pelo menos para mim, é tremendamente doloroso.

Outro dia me lembrei do filme Spartacus, obra prima dirigida por Stanley Kubrick. Na escola de gladiadores havia um negro fortíssimo, acho que se chamava Garba, que logo foi avisando a Spartacus: “gladiador, nunca faça amigos gladiadores porque amanhã poderá ter que lutar com eles até a morte”.

[Garba não seguiu a própria recomendação e o estopim da revolta dos escravos foi quando se recusou a matar Spartacus --o qual conseguira prender numa rede à mercê do seu tridente-- e foi morto arremetendo contra a tribuna de honra onde estavam os nobres romanos.]

Me lembrei do filme ao me perguntar se nós ao fazer política ficamos como os gladiadores, impossibilitados de fazer amigos ou, no caso, de conservar os que já tínhamos a tantos anos, quando as coisas eram claras e sem todos esses meios-tons.

Prezo muito a amizade. Penso que é uma das coisas mais importantes da vida. Já não se fazem amigos como antigamente. Aqueles de ir na casa, de não ter segredos, de falar sobre as mulheres, de falar besteira sem se policiar. Sou bastante condescendente com defeitos dos meus amigos, espero que sejam, pelo menos, um pouco com os meus. No passado, vivemos situações extremas. Arrisquei a minha vida para tirar dois deles da cadeia e da tortura, penso que teriam feito a mesma coisa por mim se as circunstâncias fossem ao contrário.

Talvez, tenha sido o tempo e certamente foi a política. A relação mudou. Comecei a perceber jogos táticos e estratégicos, não-ditos. Percebi que estava virando uma relação “política”, quando para esses amigos virei “Sirkis”, e não mais Alfredo (ou Alfredão). Um dia virei pessoa jurídica... As relações tornaram-se distantes e permeadas de cautelas, artifícios e eventuais artimanhas. O medo da traição e da rasteira passou morar no quarto dos fundos.

Não gosto de política tanto assim. Para mim é um meio de emplacar sonhos, projetos, idéias. A atividade, em si, frequentemente me exaspera e incomoda com uma imensa perda de tempo. É mais gostoso escrever, por exemplo. Gosto do executivo, das policies; tenho cada vez mais problemas com as politics propriamente ditas. O inglês faz essa distinção entre políticas públicas (policies) e a política de poder (politics). No seu livro de memórias, o Bill Clinton sustenta que para podermos fazer as primeiras é preciso se garantir na segunda. Deve ter razão.

Segundo parece, para sermos bons de politics devemos, como Garba disse (mas não fez...), abrir mão da amizade e, pior, eventualmente engolir aliados que consideramos do mal. Seres humanos pelos quais temos um perplexo horror ou simplesmente um condescendente desprezo. O preço vai ficando proibitivamente alto em matéria de perdas e de sapos a serem devidamente engolidos.

Política virou um vício, uma cachaça? Será que vale mesmo a pena?

Perdoem os 5 minutos de perplexidade. Isso passa.

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