quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O que é eco-socialismo?

Martin Barraud

Extraído do artigo O QUE É O ECO-SOCIALISMO? (escrito em Português de Portugal) de MICHAEL LÖWY

O que é eco-socialismo? Trata-se de uma corrente de pensamento e de acção ecológica que faz suas as aquisições fundamentais do marxismo – ao mesmo tempo que o livra das suas escórias produtivistas. Para os eco-socialistas a lógica do mercado e do lucro – assim como a do autoritaris¬mo burocrático de ferro e do “socialismo real” – são incompatíveis com as exigências de preservação do meio ambiente natural. Ainda que critiquem a ideologia das correntes dominan¬tes do movimento operário, eles sabem que os trabalhadores e as suas organizações são uma força essencial para qualquer transformação radical do sistema e para o estabelecimento de uma nova sociedade, socialista e ecológica.

O eco-socialismo desenvolveu-se sobretudo durante os últimos trinta anos, graças às obras de pensadores do porte de Manuel Sacristan, Raymond Williams, Rudolf Bahro (nos seus primeiros escritos) e André Gorz (ibidem), bem como graças às preciosas contribuições de James O’Connor, Barry Commoner, John Bellamy Foster, Joel Kovel (EUA), Juan Martinez Allier, Francisco Fernandez Buey, Jorge Riechman (Espanha), Jean-Paul Déléage, Jean-Marie Harribey (França), Elmar Altvater, Frieder Otto Wolf (Alemanha), e de muitos outros, que se exprimem numa rede de revistas, tais como Capitalism, Nature and Socialism, Ecologia Política, etc.

Essa corrente está longe de ser politicamente homogénea, mas a maioria dos seus representantes partilha alguns temas comuns. Em ruptura com a ideologia produtivista do progresso – na sua forma capitalista e/ou burocrática – e oposta à expansão até ao infinito de um modo de produção e de consu¬mo destruidor da natureza, tal corrente representa uma tentativa original de articular as ideias fundamentais do socialismo marxista com as aquisições da crítica ecológica.

James O’Connor define como eco-socialistas as teorias e os movimentos que aspiram a subordinar o valor de troca ao valor de uso, organizando a produção em função das necessidades sociais e das exigências da protecção do meio ambiente. O seu objectivo, um socialismo ecológico, seria uma socieda¬de ecologicamente racional fundada no controle democrático, na igualdade social e na predominância do valor de uso. Eu acrescentaria que tal sociedade supõe a propriedade colectiva dos meios de produção, um planeamento democrático que permita à sociedade definir os objectivos da produção e os investimentos, e uma nova estrutura tecnológica das forças produtivas.

O raciocínio eco-socialista repousa em dois argumentos essenciais:

1) O modo de produção e de consumo actual dos países capitalistas avançados, fundado numa lógica de acumulação ilimitada (do capital, dos lucros, das mercadorias), do esgotamento dos recursos, do consumo ostentatório e da destruição acelerada do meio ambiente, não pode, de modo algum, ser expandido para o conjunto do Planeta, sob pena de uma crise ecológica ainda maior. Segundo cálculos recentes, se generalizássemos para o conjunto da população mundial o consumo médio de energia dos EUA, as reservas de petróleo conhecidas seriam esgotadas em dezanove dias. Tal sistema, portanto, fundamenta-se, necessariamente, na manutenção e no au¬mento da desigualdade gritante entre o Norte e o Sul.

2) Seja como for, a continuação do “progresso” capitalista e a expansão da civilização fundada na economia de mercado – mesmo sob essa forma brutalmente desigual – ameaça directamente, a médio prazo (qualquer previsão seria arriscada), a própria sobrevivência da espécie humana. A preservação do meio ambiente natural é, portanto, um imperativo humanista.

A racionalidade limitada do mercado capitalista, com o seu cálculo imediatista de perdas e lucros, é intrinsecamente contraditória com uma racionalidade ecológica, que leve em conta a longa temporalidade dos ciclos naturais. Não se trata de opor os “maus” capitalistas ecocidas aos “bons” capitalistas verdes: é o próprio sistema, fundado na impiedosa competição, nas exigências da rentabilidade, na corrida atrás do lucro rápido, que é o destruidor dos equilíbrios naturais. O pretenso capitalismo verde não passa de uma manobra publicitária, de uma etiqueta que visa vender uma mercadoria, ou, na melhor das hipóteses, de uma iniciativa local equivalente a uma gota de água sobre o solo árido do deserto capitalista.

Contra o fetichismo da mercadoria e da autonomização reificada da economia pelo neo-liberalismo, o jogo do futuro está, para os eco-socialistas, na implantação de uma “economia moral” no sentido que E.P. Thompson dava a essa expressão, ou seja, uma política económica fundada em critérios não monetários e extra económicos: por outras palavras, a «reimbricação » da economia no ecológico, no social e na política.

As reformas parciais são de todo insuficientes: é preciso substituir a micro-racionalidade do lucro por uma macro-racionalidade social e ecológica, o que exige uma verdadeira mudança de civilização. Isso é impossível sem uma profunda reorientação tecnológica, que vise a substituição das actuais fontes de energia por outras, não-poluentes e renováveis, tais como a energia eólica ou solar.9 Portanto, a primeira questão que se coloca é a do controle dos meios de produção, e, sobre-tudo, das decisões de investimento e de mutação tecnológica, que devem ser arrancadas dos bancos e das empresas capitalistas para se tornar um bem comum da sociedade. Certamente, a mudança radical diz respeito não apenas à produção, mas também ao consumo. Todavia, o problema da civilização burguesa/industrial não é – como pretendem em geral os ecologistas – “o consumo excessivo” da população e a solução não é a “limitação” geral do consumo, notadamente nos países capitalistas avançados. É o tipo de consumo actual, fundado na ostentação, no desperdício, na alienação mercantil, na ob¬sessão acumuladora, que deve ser questionado.

É necessária uma reorganização de conjunto do modo de produção e de consumo, fundada em critérios exteriores ao mercado capitalista: as necessidades reais da população (não necessariamente “pagáveis”) e a preservação do meio ambiente. Por outras palavras, uma economia de transição para o socialismo, “re-inserida” (como diria Karl Polanyi) no meio ambiente social e natural, porque fundada na escolha democrática das prioridades e dos investimentos pela própria população – e não pelas “leis do mercado” ou por um politbureau omnisciente. Por outras palavras, um planeamento democrático local, nacional, e, cedo ou tarde, internacional, que defina: 1) que produtos deverão ser subvencionados ou até mesmo distribuídos gratuitamente ; 2) que opções energé-ticas deverão ser seguidas, ainda que não sejam, num primeiro momento, as mais “rentáveis”; 3) como reorganizar o sistema de transportes, em função de critérios sociais e ecológicos; 4) que medidas tomar para reparar, o mais rápido possível, os gigantescos estragos do meio ambiente deixados pelo capitalismo “como herança”. E assim sucessivamente...

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Essa transição levaria não apenas a um novo modo de produção e a uma sociedade igualitária e democrática, mas também a um modo de vida alternativo, a uma civilização nova, eco-socialista, para além do reino do dinheiro, dos hábitos de consumo artificialmente induzidos pela publicidade e da produção até ao infinito de mercadorias nocivas ao meio ambiente (o carro individual!).

Utopia? No sentido etimológico (“lugar algum”), sem dúvida. Mas se não acreditamos, com Hegel, que “tudo o que é real é racional, e tudo o que é racional é real”, como pensaremos numa racionalidade substancial sem apelarmos para as utopias? A utopia é indispensável para a mudança social com a condição de que seja fundada nas contradições da realidade e nos movimentos sociais reais. É o caso do eco-socialismo, que propõe uma estratégia de aliança entre os “vermelhos” e os “verdes” não no sentido político estreito dos partidos so¬ciais-democratas e dos partidos verdes, mas no sentido amplo, ou seja, entre o movimento operário e o movimento ecológico – e de solidariedade para com os oprimidos e explorados do Sul.

Essa aliança implica que a ecologia renuncie às tentações do naturalismo anti-humanista e abandone a sua pretensão de substituir a crítica da economia política. Essa convergência implica, outrossim, que o marxismo se livre do produtivismo, substituindo o esquema mecanicista da oposição entre o desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção que o entravam pela ideia, muito mais fecunda, de uma transformação das forças potencialmente produtivas em forças efectivamente destrutivas.

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